sábado, 1 de novembro de 2008

fluindo sã

Com o conta-gotas foi despejando levemente a água-com-açúcar dentro da panela. Queria se controlar, queria evitar mais uma longa novela açucarada e cheia de romance. O amor era meio assim, meio melado demais, e a razão dava vazão ao controle. É que tinha passado um anjo na janela dela.

Agora andava meio sem perspectivas. Uma visão de um futuro acinzentado e cansativo e de um passado que não foi o que devia ter sido. Melancolia, colorida levemente pelo ar embriagado do pequeno anjo. Assim de tempos em tempos se permitia divagar e dormir nos braços do tal anjo. Sabia que não era verdade, aliáis, tinha tanta certeza de que não era verdade que acreditava que aquela mentira era suficientemente segura; ela podia acreditar.

O anjo não tinha cheiro; isso o fazia mais distante e menos humano. Ele era meio que tipo pura luz e era tão exageradamente belo que de tempos em tempos ficava ligeiramente banal. Independente disso ela o amava, o que não a tornava especial apenas menos açucarada.

Mascavo. Anjos são feitos de açúcar mascavo.

Era exagero dizer que o anjo a mantinha viva. Muito exagero. Mas havia gosto nela ao pensar nisso, um gosto que ela evitava que era o gosto de gostar de depender de alguém. Oh, ele não sabia. Ou ela achava que ele não sabia. E no fundo ela desejava um futuro menos acinzentado e mais mascavo, mas os anjos não pertencem ao futuro. Nem ao presente, anjos não pertencem a lugar algum.

Silêncio, tem alguma coisa muito bonita acontecendo.

Ela recolheu o conta gotas e a panela, sim tinha, bem ali, algo muito, muito bonito que deve ser guardado e lembrado para sempre. Nunca se sabe quando acontecerá de novo. O anjo some numa espécie de eclipse, acompanhado de outras energias místicas ou não.

O sol depois do eclipse traz a tona uma realidade tão forte que ela se desfaz: despe-se da carapuça humana e mergulha na sua essência de dragão. Imediatamente mergulha num abismo passageiro e adormece os milênios necessários para o próximo nascer em si.

Valsa

_ As pessoas ás vezes se entregam. Ás vezes se tornam tão frágeis, tão desajeitadamente desprevenidas que se permitem até amar...

_ Sabe eu queria dançar agora. Assim com véus e fumaça, como se fosse um sonho romântico. Queria sentir a sua pele, eu gosto muito da sua pele...

_ Não sei, eu gosto do jeito que essa cena toca na minha alma. Como se um metal vibrasse sereno dentro de mim. Viver as vezes é tão lindo.... mas só ás vezes.

_As cores ás vezes são tão feias. As pessoas tão vulgares e arrogantes. Prometendo gozos, sexo, felicidade, com palavras esdrúxula. Não fiz promessas e juras à ninguém. Nem tive senso de humor, o humor não combina com o amor.

_ As explicações racionais e simplistas também não. Amor não se explica, é mistério por excelência. Mas isso também seria uma banalização. E essência sim, provavelmente. Não existe musica para acompanhar essa dança. E o silencio é gélido demais.

_ Demais...

Off - topic wish

Lista de desejos materiais*

(é o tipo de coisa que se posta em blog, mas to guardando aqui para ter certeza que nao vai perder....)

* a ordem nao é de importancia, é só porque eu nao consegui pensar em outra maneira de organizar...

1. kit de body piercing (ao menos as pinças e tesouras), porque eu quero furar o meu corpo mas nao sou true o bastante para furar com alfinete lugares delicados (assim na tora, só a orelha, que nao doi muito e nao dá muito pau - mas só fiz isso uma vez e por pouco tempo). Custo: aproximadamente R$240,00

2. Rotomatic. Tem coisas na polishop que a gente se pergunta de onde saiu,e a maioria a gente jura que é um golpe dos mais descarados. Mas depois do pica/corta/fatia onde uma girada na manivela equivalia a 6 rodadas da lamina e que vinha com um extrator (inutel) de suco de laranja que tambem servia para tirar o caroço da maça e que nao é mais comercializado, a coisa que eu mais quero da polishop é um Rotomatic. Cansei de me sentir impotente diante da necessidade de botar um parafuso na parede, Cansei de ter de inventar um uso prum pedaço de madeira que eu nao consigo cortar. Quero poder lixar as coisas, gravar desenhos nos vidros das janelas, cortar, perfurar! Quero dar asas a minha criatividade!!!! Do rotomatic para frente, só vou me sentir impotente diante de um prato de claras-que-pretendem-ser-em-neve (hummm, será que existe algum acessorio que permite ao rotomatic fazer claras em neve?). Enfim, to superstimado o rpoduto porque conheci na polishop. Custo R$90,00 (na polishop é 299,99, mas no mercado livre tem bem mais barato).

3. Uma camera de video que filme pelo menos umas 2h numa resoluçao bacana. Custo: R$1.000,00

4. (nao tenho mais nenhum, mas vou ressucitar uns antigos porque tem de ser no minimo top 5). Uma maquina de costura da Singer. Sempre quis costurar com descencia minhas proprias roupas, do jeans ao soutien. E tem acabamentos, que só dá para fazer a maquina mesmo (ou com a paciencia daqueles moças que fazia enxovais a seculos atrás). Custo: aproximadamente R$ 300,00.

5.um pica/corta/fatia/moi/tritura/faz linuiça/faz macarrão manual (porque odeio tomada e barulho de motor na cozinha). Tá, ele já estava pseudocitado no topico do rotomatic. Mas como o meu sonho de infancia nao existe mais, tem uma versao atualizada dele que nao vem com extrator de sucos mas é capaz de encher linguiça ( nao apenas metaforicamente!), e fazer macarrao (transformar a massa em fios!). Custo (por enquanto só vi na polishop) R$ 299,00

Top 5 "o dinheiro nao compra" (porque nem todos os meus desejos materiais se resumem a dinheiro)

1. Jenipapo, carvão, urucum para fazer tinta de pintura corporal e poder fazer minhas proprias "tatuagens" de Henna. E de quebra fingir que estou "entrando em contato com raizes indigenas". Mas essa é mais para colher por aí, no meio do cerrado. Custo: R$ indefinido.

2. Uma horta de apartamento que produza uma quantidade suficiente de ervas e temperos. Porque eu gostaria muito de comer e colher manjericao e salsa sem agrotoxicos. Sem falar em perfumar minha casa com artemisia ou lirio. Custo: R$ indefinido e difuso.

3. Uma horta de quintal que de frutas, legumes e verduras. porque eu quero ver um pé de melancia e comer alface limpa.

4. água sem cloro, sem fluor, sem metais pesados, sem bacterias que fazem mal a saúde, com alguns sais minerais e muito oxigenio.

5. colher cogumelos.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Vertigem

Porque foi sonho e foi saudade. E quando acordou sentiu a pontada no peito e a certeza de que não volta. E a água indigesta se apresenta como senhora cruel, apagando indecentemente cada vestígio do passado. Uma hora lembrou-se.

Acomodado no bar com as mãos cheirando a sangue. Sujas não estavam, tinha certeza. Era coisa da cabeça, era coisa do coração. Guardaria a visão para sempre. Noite estranha afogada no copo de conhaque.

Entre duas e três da manhã, ele sentiu uma enorme vontade de ir ao banheiro. Então, levantou-se do bar, pediu instruções a um garçom e seguiu até o banheiro. Empurrou a porta imunda e rabiscada de solidões naturais, e com o corpo recostado na parede, porque a essa altura ficar em pé era um martírio, deixou que a urina escorresse.

_ Cinqüenta e não se fala mais nisso.

_ Vale a pena?

_ Se você não gostar eu devolvo.

_ Devolve mesmo?

_ Só se você não gostar.

_ Você confia tanto assim?

_ Confio.

_ Então deve valer.

Caiu. Primeiro tudo ficou escuro, depois tudo começou a girar. Então caiu. A cabeça bateu no vaso e abriu um corte na sobrancelha. Olhou pro fundo da água amarelada e fedorenta: era o futuro. Começou a vomitar.

_ Que droga de barulho é esse?

_ Alguém.

_ Desculpa, mas não dá.

_ O que você esperava desse lugar?

_ Me devolve a grana.

_ Não. Eu devolvo se você não gostar e não se você desistir.

_ Que merda!

_ Me bate de novo e eu te mato.

Levantou. Apoiado na porta sentia o cheiro de mijo das roupas. Esse era de verdade. Saiu da cabine olhando pro chão, atitude completamente desnecessária; um bar daquela categoria jamais teria espelhos.

_ Não se preocupem comigo, eu já estou indo embora.

E na saída ele notou que estava no banheiro feminino.

De volta a mesa de antes notou que seu copo havia sido recolhido. Amaldiçoou o garçom e deixou a cabeça pousar sobe os braços. Vontade nenhuma de fazer força nenhuma.

Foi então que ele sentiu que tinha de ir embora. O carro parado do outro lado da rua, um tom de nervosismo dentro do bar. Era a policia, mas o que era melhor fazer? Fingir que a noite acabou, que se estava indo para casa, ou ficar ali, como quem não deve nada a ninguém? Dois moços brancos e um moço preto saíram de dentro do bar e os policias do outro lado da rua não fizeram nada. Ele decidiu então, fazer a mesma coisa. O corpo molenga, os olhos distantes e o cheiro denunciavam uma noite longa e embriagada. Mas só isso.

_ E então?

_ Só mais um.

_ Tem certeza?

_ Você não?

_ Não.

_ O que você acha?

_ Não sei... Intuição.

_ Quer ir até lá?

_ Deixa.

Um pé depois o outro, depois do outro o um pé. Tinha eu reaprender a andar, tinha eu reaprender quase tudo. Passou despercebido, ou quase isso. Finalmente um pouco de alivio. Ou quem sabe não.

Sentiu. A primeira pancada foi na cabeça. Caiu e com as mãos apoiadas no chão sentiu os dois chutes na barriga. Então vieram os outros chutes, um no nariz e outro no saco. Reconheceu, eram os dois moços brancos e o moço preto. Reviraram os seus bolsos em busca de alguns trocados. Acharam um 38 cano longo faltando duas balas.

_ E então?

_ Não sei.

_ Aqui?

_ Quem é ele?

_ Faz diferença?


_ Vamos embora, a policia esta a três quadras daqui.

Agora não tinha mais nada. Nem a água pacificadora, nem alguma esperança de recomeço. Faltava-lhe um dente também. E foi tocando a língua na gengiva sangrenta que ele concluiu que podia ficar deitado onde estava e esperar o sol nascer.

Naquela hora oportuna, em que os galos começam a cantar mas ainda esta bem escuro, uma pequena veio em sua direção. Ele a viu vindo de longe, com pernas magricelas e roupas vulgares. E então ele reconheceu no rosto dela a lembrança que ele tentou apagar durante toda a noite.

_ Qual é o seu problema?

Todos os problemas que um homem podia ter.

_ Nunca viu?

Daquela forma, tão nítida, não, nunca tinha visto.

A pequena seguiu. Casa, cafetão, trabalho, família, filhos, tanto fazia...

E ele concluiu que ainda havia algum tempo. Por que sim, foi sonho e foi saudade, mas foi também tão brutalmente desperto que seria vingança. E não existia o que esquecer. Sim, a visão ficaria na sua cabeça para sempre assim como o cheiro de sangue nas mãos. E nada que ele tentasse traria de volta o sentido das coisas. Mas trariam alivio, certezas e alguma dignidade.

Decidiu-se por utilizar as próprias mãos. Não havia tempo. Ainda estava bêbado, ainda estava lento, ainda estava cansado. Tomou um caminho que não conhecia para testar a própria autodeterminação. E quando surgiam os primeiros sinais de dia e já se podia ouvir pássaros cantado, ele chegou ao ponto.

Marcou seus dedos no pescoço frágil de alguém que estava no lugar errado, na hora errada. Foi adentrando o espaço e foi aí que ele tomou para si um faca. Esperava encontrar a vitima dormindo, mas não, as coisas não eram assim tão simples. Brigaram, e quando o sol cruzava a linha do horizonte, o coração do outro parou de bater.

Enquanto se limpava, se perguntou se o outro sabia porque tinha morrido. Não, não sabia. Também se perguntou se ele sabia porque tinha matado. Não tinha as palavras certas, mas tinha uma imagem, os olhos cansados daquela pequena tão perfeitamente casados com o destino desastroso e desavisado daquelas balas do 38.

Dia triste

Me abraça que a virtude é sonho e eu amo você. Fica comigo, me deixa encostar os olhos no seu braço perfeito e esquecer todo o resto do mundo. Me deixa com você porque hoje é paraíso. Quimera estranha essa, nós dois no início. Porque assim em meio a novelo e muita lã, em meio a esse silêncio carinhoso deitado em pó. Me deixa algum vento e algum minuto a mais com você. Um ultimo riso, um ultimo abraço.

Porque eu andei com a lamina bem forte. Entrei muito, cortei demais. Já não tem mais tempo, mas não fique triste porque realmente não existia motivos. Na verdade existia você, mas assim, bonito quase inacabável e bem já tem muito tempo que a gente não se vê.

Mas eu te peço em pensamento e em oração que se lembre de mim e me coloque fictício, no seu braço perfeito e deseje-me novelos positivos de coisas muito boas. Porque daqui para frente eu não terei mais nada seu, nenhum amuleto. E eu precisarei das suas virtudes para atravessar o caminho da morte.

Éros e Tânatos

Era estranho ouvir os passos no meu apartamento. Passos de alguém que sabia que era esperado, mas eu não me lembrava de ter convidado ninguém. É claro que também não me lembrava do som que passos invasivos fariam, mas não senti nenhum tipo de ameaça. Não levantei para acender a luz, nem procurei nenhuma arma, não havia perigo e não tinha porque perturbar a atmosfera urbana e febril que a luz de mercúrio do poste criava. Por alguns instantes eu quis fumar, como que para invocar algum tipo de proteção. "Ei, não mexa comigo, eu sei que você esta ai e eu sei o que você quer". Por não saber nada, eu tive vergonha de acender o cigarro. Sempre tive vergonha de mentir. Coisa da educação cristã, eu acho.

Os passos se aproximaram, se eu me virasse saberia quem era. Não virei; não virei porque não virei, por que aquela posição era tão confortável e de qualquer maneira não havia risco e portanto não havia motivos. Foi quando senti uma corrente elétrica percorrer a região do meu ombro. Pele sobre pele. Olhei, e talvez pela luz, talvez porque meus olhos estivessem ofuscados, não reconheci. Mas conheci e era o meu mais novo amor.

Nos beijamos e eu pude tocar com as mãos o rosto. Senti uma e outra cicatriz; era humano. Língua sobre língua, numa espécie de fluido quente que vai penetrando no corpo pelo orifício mais sincero. E era, além disso, porque tinha tanta delicadeza e inocência, e era tão verdadeiramente sincero e terno.

Então eu pude sentir a nuca, e pude pressionar a sua cabeça sobre a minha, pude sentir o seu pescoço entre meus dedos e foi quase como se eu estivesse me afogando e agarrasse firmemente aquele salva-vidas.

Nos beijávamos de olhos fechados. Por pura convenção. E então, para guardar aquele rosto, para identificá-lo, abri os olhos. E fiquei olhando aquela figura desconhecida e completamente entregue. Tanta concentração em mim e tanta abdicação. Passei os dedos pela pele do seu rosto e talvez tenha dado a entender, sem querer que tinha quebrado uma convenção. Acabou abrindo os olhos também e nos encaramos. Nos beijávamos e nos víamos nos olhos opostos. E foi como se alguma coisa me absorvesse.

Ainda tínhamos roupas. Nossas mãos passavam por entre os panos e íamos conhecendo as varias peles que um ser humano pode ter. E meu corpo respondia a cada toque, com um tremor, uma contração, e risos também porque aquilo soava meio leve. E foi nessa leveza que eu vi a sua silhueta se despir contra a luz avermelhada. E senti com os olhos o convite para tocar. Porque quase todos os corpos são bonitos mas somente alguns convidam ao toque. Deixei que minhas roupas se dispersassem, e tive aquela sensação tão humana de pele sobre pele. De novo e para sempre, já que esse parece ser o tempo que nunca passa. Como na infância, quando os dias parecem ter horas demais. E era esse o gosto que a boca tinha, uma grande sensação de infância, sem mundo nem amarras nem medos.

Peregrinando sobre cada curva daquele outro ser fui identificando pedaços da minha vida. Entre as mãos e as falanges dos dedos encontrei o gosto da minha primeira aventura; entre as coxas o eterno sabor do proibido e do violado; perto do coração, o cheiro do choro consolado. Provei todos os centímetros daquela pele, revistei os sentimentos mais marcados na minha própria pele. E não havia exaustão entre nós mas paramos. Tocamos os cabelos e ficamos abraçados, pele sobre pele, olhos juntos, profundo. Vi seu rosto relaxar e permitir que o sono entrasse. Deixei que meus sonhos entrassem no ritmo da sua respiração. Paz.

Foi quando bateram a porta. Saindo do ritmo, porque eu ainda não tinha adormecido, me lembrei. Claro, era hoje o dia que viriam me matar. Estava combinado, era tão obvio. Dessa vez não tive vergonha de acender o cigarro. Fiz uma cortina de fumaça por todo apartamento, mas abri a porta sem medo. Sem roupas também mas isso não provocou qualquer tipo de candura no assassino. Ele entrou e tudo era de repente tão claro. Porque o amor anda junto com a morte. O amor precede a morte. E o assassino era o assassino mas meu novo amor podia ser tanta coisa... Minha vida toda, todos os cheiros e gostos. Ou talvez só um, porque no fim só existe um cheio e um gosto, que é sempre o do convite.

Pedi para que não usasse faca; não me agradava a idéia de sangrar e ter a pele lacerada. É claro que lutaria pela minha vida, mas não sentiria culpa nenhuma se perdesse. O amor antecede a morte, o amor se levanta e vai embora com a morte, como se a vida o tirasse para dançar num baile muito longínquo. Acho que foi uma pistola.

É estranho, como uma lembrança que termina em assassinato possa me ser tão agradável.
Talvez meu novo amor tivesse sido um presente do assassino. É como um daqueles pesadelos que se acorda com um alivio tão grande por tudo ser um sonho, que nem se lembra mais de todo o medo que foi sentido. Eu dancei com a morte e transei com vida, me afoguei naqueles lábios com gosto de infância, e ah..., quanta ânsia, mas quanta ânsia de me suicidar naquele corpo de nome secreto e origem desconhecida. No tom vermelho da madrugada, que é quase uma vocação, porque nem todo fim significa um recomeço.

Censura

Não que eu esteja pensando em preencher elas com rabiscos de papel, apenas queria tirar essas idéias da cabeça.

O que é? Eu sei, não é grande coisa, mas quem se importa? Não é pela literatura é pelo ato de escrever mesmo sabe? É eu sei tem umas referências, meio óbvias... algumas eu sei, mereciam até asteriscos e notas de rodapé... É não foi uma boa piada eu sei...

Então é só isso. São coisas inofensivas... O que? Os meus ataques? Não é importante, foi apenas um espasmo de fúria, você sabe, as vezes o sexo pode ser repulsivo... É claro que eu gosto de sexo, eu sou uma pessoa normal... o que, você não gosta de sexo? Tudo bem, não é tão bom assim...

É eu sei, essas coisas que eu falo não tem mesmo graça...

Eu acho que eu posso ir embora agora né?

Não? Tudo bem, quem sabe pela manhã, eu não queria mesmo subir as escadas no escuro. De manhã também não? Bem algum dia eu vou sair daqui? O que vai acontecer então?
Você quer mais o que? Minha alma esta nesse caderno, não há sentimento ou pensamento que eu não tenha transformado em texto...

O que, você não sabe ler? Tudo bem, abaixe isso, eu leio para você. Com sinceridade.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Cotas de pureza


Foi chegando no baile, desprevenido e desorientado. Vestia-se simples e elegantemente, trazia uma rosa vermelha, quase vinho presa ao bolso do terno. Uma donzela que não era mais virgem, o aguardava sem saber no canto do salão, admirando os belos lustres de cristais que refletiam uma espécie de mágica em forma de luz.

Rodou entre as centenas de pessoas, vestidos, ternos, calças de cetim, colares e brilhantes, até que alcançou o magnetismo melancólico daqueles olhos.

_ Oi.

É que os cenários mais bonitos são quebrados com as palavras mais vulgares, e foi exatamente o que aconteceu, quando sobre a visão dela desfizeram em finos feixes de luminosidade uma obscura magia.

_ Oi.

O choque de realidade esfriou os sentimentos dos dois. Parados ridiculamente um de frente pro outro se acharam tão patéticos que a única saída seria sorrir. E eis que então, por entre os dentes de uma das bocas, uma tal e singular simetria levou-a de volta prum estado meio místico, meio doce.

_Dança comigo?

Ordinária ou não, o que importa é que após a pergunta, ele estendeu a sua mão e ela pegou. E eles rodaram por entre os outros sapatos, cachos, cartolas e colares. E mesmo que o lustre de cristais não emitisse nenhuma magia disfarçada, ela encontrou no contato delicado dos dedos dele sobre a pele, um ruído agudo que indicava uma nova possibilidade.

Um olho no outro olho e o outro olho num olho. Porque é assim que se conhece alguém, mantendo as pupilas fixas nas outras pupilas. Piscar pode, ela pensava. Sorrir também, ele divagou. E quando acharam que já não havia nada que não pudessem saber sem palavras, a luz foi mudando e toda a disposição do ambiente se modificou, e observando o outro novamente sobre outro ângulo decidiram que podiam passar mais algumas canções sem falar nada.

Com os corpos exageradamente próximos_ mais próximos do que as línguas afiadas dos casais vizinhos permitiam_ eles aqueceram todo o ar em volta deles, e metidos num turbilhão escaparam pela porta lateral até a varanda, onde a lua inexistente prenunciava um fim pouco romântico_ ou ainda_ romântico a seu próprio modo.
Aproveitando que o ruído da pele dele ainda penetrava em seu corpo, ela deixou a cabeça tombar sobre o ombro e respirou a essência suave que ele usava como perfume.

_ Noite dolorosamente escura.

Ele tocou com os dedos o rosto delicado dela; a noite era escura, mas dolorosa era exagero dela.

Debruçados sobre o parapeito da varanda, tão aconchegados um ao outro, era de se esperar que em algum momento se beijassem. E foi justamente nesse momento, que alguma coisa gritou dentro dela avisando que o ruído acabou: podia enxergar a realidade, sem jamais entender o que as pupilas dele diziam.

Os lábios se roçaram, as línguas se cruzaram imersas em saliva quente. De volta a realidade, ela deixou-se levar pela noite escura. O olhar não era magnético nem melancólico_ tão denso, mas tão denso, e tão triste, mas tão triste, que ele teve medo de perguntar o porquê.

Conduzindo suas mãos pelo corpo dela, pressentiu que tudo aquilo era território hostil. Seja lá o que tivesse acontecido, ele não era mais bem vindo ali. Insistiu, desistiu. Ignorou.

Era por ser donzela sem ser virgem, ela sabia. Era porque em noites assim tão escuras, a desconfiança aumentava e belas rosas rubras podem indicar amor mas também o inconsciente. E segredos bem guardados, definitivamente, não eram boa lembrança.
Ele quis beija-la de novo. Ela permitiu, por confusão mental, inércia e piedade. E por medo principalmente. Não guardou nenhuma nota mental daquele beijo. O vomitaria um milhão de vezes, no banheiro limpo e sagrado do salão.
Pôs suas delicadas mãos sobre o peito dele. Sorriu mecanicamente e agarrou a rosa com uma vitalidade infantil. Ele era bonito. Bonito de um jeito que ela nunca soube ser. Beleza escancarada de um jeito que ela nunca poderia assumir. Guardaria a rosa como um espelho daquela lembrança. E antes que as vísceras se revirassem e acusassem aquela beleza de absurda falsidade, ela se foi.

Ajoelhada no banheiro, com o corpo desesperado, expelia gota por gota qualquer vestígio dele perdido dentro dela. Deprimida, olhando o próprio reflexo na água imunda da privada, despetalou a rosa vermelha perguntando sim ou não. Ele respondeu: talvez.

Sem ar

Eu quero repousar no seu corpo todo o meu pecado. Eu quero purificar os meus sentidos e parar de não ver o que já existe. Insensatamente, contornando uma Lua numa estrada deserta. Salve-me, salve-me, salve-me. Eu repeti isso muitas e muitas vezes, entre cada arfar seu. Me leve também.

E não seria nenhum engano meu pensar que ninguém ouviu. Ou que, se alguém ouviu, não entendeu. Ou ainda que se alguém ouviu e entendeu pouco ou nada pode fazer.
Salve –me. Salve-me, de frente pro espelho, nua, meu mais distante amor.
Algum dia haverá uma chama, e essa chama iluminará o caminho que já percorri tantas vezes. Nada de escuridão, nada de terrorismo. Ame-me.

Cometeria um crime por você? Cometeria um crime por mim? Cometeria um crime? Eu quero salva-lo também, da maneira mais bonita, que a propósito é a mais errada e a mais solitária (mas acho que todo romance termina assim).

Dissolvida no vento, sendo a ternura de cada conquista sua, do sonho que eu perdi e que pretendo preservar em você. O sonho do mundo bom, onde é possível ser só você mesmo. E quem sabe se descubra que basta acreditar (e surrupiar alguns castelos), para que o mundo realmente aconteça.

Eu decidi que ainda não posso decidir muitas coisas. Eu decidi que eu não posso. Eu decidi um fracasso. E implorei salve-me enquanto você arfava.

Seu corpo colado ao meu. Seu corpo quente, sem engano, só instinto. Em que você pensava enquanto arfava? Olhando dentro dos meus olhos, para onde você queria ir? Enquanto seu corpo fervia, seu sangue descia todo e seu cérebro provava uma leve falta oxigênio. Os hormônios enlouquecidos provocando nervos adormecidos. Em que sua consciência profunda estava concentrada? Em mim? No ato? Em você mesmo? No mundo a conquistar? Na sua conquista atual?

E seus olhos nada podiam me dizer. Eu queria que eles berrassem (e talvez eles ate berrassem algo parecido com o meu “Salve-me”), mas eu não ouvi nada. Ilha, ilha da fantasia, bonita, nova, ilha afundada, uma espécie de Atlântida. Eu era a ilha, e nenhum navio ou avião se aproximava. Morri afogada no mar, uma ilha afogada.
Sonho besta, acordei nas suas pupilas, um nada vazio de cansaço e preguiça, e você não arfava nada, mas eu ainda tava berrando, e pedi que você me salvasse de novo. Me da um cigarro?

Os seres humanos são quentes, é um calor que denuncia vida. E eu sentia o seu corpo quente chamando o meu corpo quente para unirmos nossas vida. No não fazer nada de fumar um cigarro olhando pro teto que não precisamos pintar porque não é nosso. É o momento em que não se fala nada. Me deu uma vontade besta de comer chocolate. Em mim também.

Talvez fosse isso, entre cada arfar uma enorme e doce barra de chocolate. Quer ir conhecer o senhor Wonka?

Olho o corpo se mexendo, cabendo dentro das roupas que tão desesperadamente foram arrancadas. Corpo bonito, alma mais bonita ainda. As mãos magrelas arrumando o cabelo. Doces cachos. Vamos?

Eu, nua, de frente pro espelho. O corpo meio cômico, como uma piada física, tosca e sem graça. O corpo rindo de mim. Vamos, vamos sim, mas antes da para você me salvar?

Amor surreal

Ei, pequena esfera preciosa que fica sorrindo jocosa para mim: você é meu tesouro!

Lembro-me da primeira vez que te vi: você estava esquecida do lado duma concha no cantinho da areia. A praia estava agitadíssima mas eu nem ligava, você me chamava.
Fui ao seu encontro, peguei você entre os dedos e senti sua fortuna. Era especial. Fomos juntos pro meio da multidão e desconfio que você ficou assustada, senti sua superfície gelar e ameaçar se desfazer. Guardei você na minha boca, embaixo da minha língua: era como se a minha língua fosse um moluscolo que te protegeria e te ofereceria uma lembrança de lar. Fiquei umedecendo e rodando você na minha boca, deixei que você sentisse meus dentes e acho que você ficou feliz porque depois quando chegamos em casa você parecia mais brilhante, mais viva.

De qualquer forma bailamos por aquela praia, você dentro de mim, como se fosse um segredo sórdido e ninguém ali entendeu a nossa magia. Entrei no mar e lhe dei um pouco de água salgada, meu beijo em você tão parecido com suor. Veio então a lua e um pouco de silencio. Lua cheia, que é da sua forma mas não da sua magnitude.
Convidei você para morar comigo e acho que você disse sim, porque veio comigo para casa.

Tirei você da minha boca, ali era seguro, não era mais necessário se esconder. Apresentei para você os cômodos do meu lar, era um apartamento quarto e sala com cheiro de maresia e cortinas de renda. Eu me sentia tão inocente com tudo aquilo! Era tão bom!

Fomos para cama. Escovei meus dentes até que ficassem lisos e perfumados. Só então me lembrei que você não devia gostar de perfume de menta e tratei de bochechar água com sal. Era nossa grande noite e tudo devia estar perfeito. Deitei-me ao seu lado, tão leve que poderia flutuar; você se ofereceu para minha boca e eu te acomodei. Entre as minhas gengivas e língua você se sentia confortável. Cada rodopio seu me estremecia. Entreguei todo o meu corpo e você rodopiou por dentro de mim, absoluta. Visitou cada centímetro possível do meu corpo e no dia seguinte eu acordei com a pele mais bonita.

Éramos felizes.

Assim foram longos dias e noites. Você dentro de mim, de todas as maneira possíveis.
Até que veio o dia em que você fugiu de mim. Pediu para ficar na areia porque queria ficar olhando o por do sol e então eu fui buscar uma água-de-coco. Quando eu voltei você não estava mais lá. Um rapaz de pele bronzeada, tinha você acorrentada a orelha dele. Quis mata-lo mas não sabia se você era prisioneira ou cúmplice. Fiz amizade com o rapaz e até agora ainda não consegui falar abertamente com você. A amizade com o rapaz evoluiu e hoje somos amantes. E eu sei que você sabe que quando eu sussurro “eu te amo” no meio da noite, não é para ele, mas para você. Você, minha jocosa e preciosa perola, que não decide o que quer de mim.

Alucina-ação-sólidã-o

Fica parado, não fala nada não. Deixa eu te sentir assim de longe, quase brilhante, antes que tudo aconteça. Não respire.

De manhã tudo volta ao normal. Se é que a vida pode ser considerada de alguma maneira normal. Porque não há nada normal em ter uma bola de hélio em ebulição rodando sobre nossas cabeças mas o sol não impressiona mais ninguém. Não, não impressiona. Chips de computador talvez, mas o Sol de maneira nenhuma. O sol é só uma estrela, e mesmo que não tenha nada de banal em ser uma estrela, é exatamente isso que esse “só” quer dizer. Banal, comum.

E então amanheceu e tudo voltou ao normal. A padaria abriu, a moça do lado saiu pontualmente às 7 para comprar o seu café da manhã e eu acordei com o ela trancando a porta. Acordei é forma de dizer, porque na verdade eu não estava dormindo, eu estava hipnotizado.

Isso acontece comigo sempre. Eu fiz alguma coisa, e eu ainda não sei o que foi, a alguma criatura noturna. Então sempre que o sol some essa criatura vem e me hipnotiza. Ás vezes ela se atrasa, às vezes ela falta, mas quase sempre chega assim que a luz vai embora. E então eu enxergo tudo de maneira muito estranha.

As paredes se expandem, ficam muito longas, quase infinitas e ficam moles como se fossem feitas de bala macia. E a luz fica fragmentada, como se tudo fosse feito de pontos. Aqui é escuro, aqui é claro, ali é escuro, ali é claro, escuro-claro-escuro-escuro-claro-claro. Escuro. Claro. Eternamente assim, a luz completamente fragmentada. Não, ainda existem nuances. Ainda existe cinza, quase-claro, quase-escuro. Mas tudo com limites muito bem definidos.

E então eu fico com vontade de andar e fico dando voltas nos lugares. Lugares é forma de falar, porque na verdade eu só ando pelo meu apartamento. Dá medo sair nas ruas desse jeito. Sabe-se lá o que vai pular da parte escura. Ou mesmo da parte clara, porque não?
Criaturas feitas de luz, criaturas feitas de sombra. Só sombra, só luz...

E aí eu fico rodando, rodando, rodando, até que completamente tonto eu me sento no chão. Com as mãos cruzadas sobre o rosto eu imploro para que a noite acabe logo. Para que eu, por assim dizer, desperte. Porque eu tenho vontade de andar e de sair, mas o medo me sufoca. E aí fico encolhido, pedindo, baixinho. E acho que aí a criatura fica com pena de mim, porque sinto o meu corpo ficar cada vez mais mole. E lento, bem lento, eu sinto que eu sou quase água e que se houvesse um ralo ali perto eu escorreria por ele. Mas não há ralo nenhum e nesse estado eu fico bem tranqüilo. E fico assim, hibernando numa espécie de sonho, até que amanhece e tudo volta ao normal. E a menina da porta ao lado, com seu trinco barulhento me traz de volta ao estado sólido.

Uma vez de volta ao normal levo uma via normal. Saio de casa, como qualquer coisa na padaria, trabalho, flerto com alguém num ponto de ônibus, vou ao cinema, rio das outras pessoas, dou esmolas, entro na igreja, recuso propagandas, encho o tanque do carro. Faço coisas falsamente cotidianas e de vez em quando me pego pensando em como fugir do tormento de toda noite. Como escapar da tal criatura que eu nem sei porque se envolveu comigo. E sempre que eu me pego pensando nisso disfarço e me levo para outro lugar. Me soa errado.

Às vezes me enfureço no meio do dia. Por quê? Porque eu? Porque essa criatura cismou comigo? Eu não fiz nada para ninguém, nada absolutamente nada. Eu sou uma boa pessoa. Xingo bastante e então fico com pena da criatura. Ela nem deve saber o que esta fazendo. Ela também deve ser uma boa criatura. Às vezes é pro meu próprio bem. Então eu choro, choro até que a garganta arranhe e que o nariz se encha de catarro. Choro até não ser mais possível respirar.

E então teve o dia. Entre a oitava e a nona hora do dia, eu me sentei num banco de praça e fiquei olhando o céu. Um cigarro apoiado no lábio, o corpo cheio de uma preguiça molenga, farto do trabalho e do mundo inteiro. Foi então que eu senti que alguma coisa me observava. Olhei em volta e todas as pessoas viviam as suas próprias vidas. Ignorei o sentimento e fui fazer alguma coisa, pois ficar parado e ser observado era algo que me incomodava. Fui andando de volta para o trabalho, atravessei a rua no semáforo, virei a esquerda e subi uma ladeira. Foi quando entrei no beco que percebi que as paredes estavam amolecendo. Parei e quis chorar mas não consegui. Ali, no meio do dia, no meio da rua. A tão pouco tempo da última vez. E quando as luzes começaram a se fragmentar eu pude enxergar a criatura, ela era doce, de um jeito místico e ficou me pedindo para não ter medo.

Não, não foi bem assim. Ela não era doce, nem um pouco. Ela não me pediu nada. Ela veio se aproximando num misto de terror e dor. Ela era má. E eu queria, queria ardentemente que aquele encontro fosse doce e bonito. Então eu disse: Fica parado, não fala nada não. Deixa eu te sentir assim de longe, quase brilhante, antes que tudo aconteça. Não respire.

Não adiantou nada. Logo eu estava ardendo no beco, cheio de pena de mim mesmo, sobre os olhos de alguém que eu jamais vou compreender, duma circunstância tão absurdamente anormal que passou despercebida. Assim como essa enorme bola de hélio em ebulição que roda pelas nossas cabeças. Só mais uma coisa. Só.

Melancolia programada

Então eu vou te ver. Você vai vir virando a esquina, com a cabeça meio de lado falando com o seu melhor amigo. Então você vai me ver, vai me abrir os braços. E então eu vou me jogar no seu peito e com os meus dedos vou te contar meu desespero. Meu amigo, meu peito dói.

Mas você esta pensando em outras coisas, eu sei. Tudo é saudade e ponto final. E abraçarei o seu melhor amigo que também é amigo meu (mas talvez ele ainda não saiba). Meu caro, meu peito dói, mas isso não é assunto seu, não se preocupe.

Nos sentaremos. Aguardaremos o terceiro amigo, que na verdade é primeiro, mas dessa vez esta atrasado. Ele vai chegar, vai me olhar com gentileza. Eu vou abraça-lo, meu peito dói, mas não adianta muito falar disso para você.

Seremos quatro então. Fumaremos alguns cigarros, apreciando o prazer docemente diabólico de machucar os pulmões. Eu vou tossir escondido, tem um tempo, meus amigos que meu pulmão não é mais o mesmo. E olha, que eu ainda sou muito jovem para isso.
Vocês pedirão café ou coca-cola. Eu não pedirei nada, nunca peço, falta-me sempre o dinheiro. De qualquer forma, nós conversaremos ate que o bar feche. E de lá para qualquer outro lugar, sabe amigos, eu tenho medo de andar a noite pelas ruas... mas ate que com vocês não....

Então o seu melhor amigo vai embora... Na verdade quem sempre vai embora sou eu, mas dessa vez ele tinha que encontrar uma garota. E se foi.

Logo o terceiro amigo conclui que deve ir para casa. E nos o deixamos lá, onde eu o abraço de novo. Meu amigo angustiado, tanto ou mais que eu. É uma pena. Até.

Então vem a hora. Um adeus como sempre. Sabe meu peito dói, dói muito. Tem muita coisa que eu queria, dizer, fazer. Explodir assim de repente. Mas não dá meu caro amigo, não dá. De qualquer maneira eu abraço você de novo, com aqueles dedos maciços. Amo você, de verdade. E então beijo os seus lábios, e penetro a sua boca: língua! Sorrio e dou adeus, mais definitivo talvez.... Você sai, sem entender nada. Teorize! Você não vai achar, mas se você achar eu vou ser a pessoa mais feliz do mundo!

Vendetta

Eu estou passando por aqui e você sabe o porquê. Pelos mesmos prédios azulados, pela calçada imunda, pelos olhos ácidos do jovem que eu tenho a certeza que um dia irá me matar. Eu me protejo com o cigarro, que é quase um totem e definitivamente é objeto sagrado. Há anos eu me protejo com o cigarro, cânceres, tumores e coágulos, tanto faz.

Vejo de novo as árvores cortadas, e fico de novo com aquele horrível gosto de morte na boca. Morango na bala de menta do baleiro da esquina; céu nublado, mais uma noite sem lua.

Cheguei até aquele lugar entre o J e o P. Busquei os velhos símbolos rasgados, despetalados com tanto amor e tanta dor, que achei que seriam para sempre. Nem sombra de mim por lá. Um cheiro enjoado de você, um cheiro enjoado de deus, de um deus macho e autoritário.

Eu estou fumando um baseado na esquina, enquanto um policial do outro lado da rua toca as doces curvas de um garoto de 12 anos. Na idade dele qualquer boca rosada e olhos inocentes fazem o pau endurecer. E na idade dele, um pau duro vale mais que um baseado de merda fumado numa noite sinistra. O garoto assustado tenta com movimentos leves se desvencilhar do corpo do policial perverso. Perdido.

Eu estou fumando enquanto o relógio da catedral do centro marca uma determinada hora. E enquanto os ponteiros dos segundos rodam, moléculas de THC se unem aos meus neurônios. Transposta.

Agora eu pretendo guiar por aquela avenida longa até o centro, indo de encontro com o relógio da catedral. E tudo isso, você sabe muito bem o porque.

Passando de novo pelo garoto que um dia vai me matar. Um dia não, uma noite. Uma rua vazia, uma faca e eu vou chorar por aqueles olhos ácidos em todos os segundos longos que antecedem a morte. Passo pelo garoto, ele olha e nada. Caindo no carro, com a guia firme vendo as tarjas da estrada brilharem e desaparecerem. A catedral.

Parada dentro do carro, olhando o céu avermelhado, no meio do centro que era na verdade um grande nada. Vazio de capim por todos os lados.

Saindo do carro, mergulho os pés em poças de lama de algumas horas atrás. Sujeira nojenta perfeitamente adequada para todo aquele deja vu. Entro na catedral pensando em como era horrível adentrar um local tão bonito com os pés enlameados. E também penso que não é adequado deixar pegadas.

Chego a torre da catedral, e é então que você entende realmente o porque. Eu vim até aqui, eu passei pelo J, pelo policial e pelo menino de olhos ácidos. Passei pela avenida e pela noite escura, tudo para lhe dizer que hoje não.

Então eu tiro a arma da cintura e deixo devagar que ela toque seu pescoço. Traga fundo o seu cigarro e deixa a fumaça flutuar no seu pulmão. Hoje não. Hoje não tem encontro as escondidas, não tem chantagem. Enquanto a bala perfura sua pele e a fumaça do cigarro segue silencioso seu caminho ate a liberdade, lembre-se da noite agradável, do dia bonito, do sono tranqüilo sob o céu limpo e iluminado. Ignora o frio e o vermelho das nuvens, nem você merece uma despedida tão sinistra.

Eu não odeio você, deveria, mas não odeio. Eu apenas queria ser livre e você estava no caminho. Muitas coisas ainda estarão. Talvez eu mate o policial perverso só pelo prazer de oferecer algo pro garoto de 12 anos. Talvez eu me case com o rapaz de olhos ácidos. Talvez eu exploda essa catedral. O que vem depois do tiro é a fumaça.

Sinfonia em tempo obtuso

Que eu te procuro às vezes, por entre prédios vazios, nas ruínas. Eu te procuro por tédio, por sono, por fome e por amor. Às vezes rabisco o seu rosto com batom vermelho nos banheiros públicos. Eu amo você. Adeus.

Antes da bomba explodir, nos encontrávamos todos os dias. Durante as manhas antes do trabalho, eu parava no ponto de ônibus e fingia amarrar os cadarços. Você chegava e nós trocávamos palavras. Ois e tchaus. Nas tardes nos víamos no café, eu me sentava no balcão e você chegava logo depois. Trocávamos simplicidades e melancolias. A noite nos encontrávamos nas camas sórdidas. Trocávamos juras, promessas, amores. Mas aí veio a bomba.

Antes de você eu era casada. Tinha uma família bonita, comum, daquelas que desprezamos na adolescência e construímos na vida adulta. Mentiria se dissesse que era triste; minha vida de casada foi uma boa distração. Acabou. Eu fui embora, ele também.

Você também era casada, mas sua família não era uma distração. Agarrada em ideais e idéias políticas, vocês duas eram incríveis. E tão aguerridas e guerreiras com o resto do mundo que se tornaram agressivas consigo mesmas. Acabou e vocês foram embora.

A primeira vez que eu vi você foi num palanque. Você estava esperando a sua vez de falar e aí eu conclui que você era linda. Quando você falou, eu conclui que você era inteligente. E quando você me olhou, eu conclui que você era perfeita. Eu estava apaixonada.

Segundo você a primeira vez que você me viu foi numa aula. Eu discursava qualquer coisa sobre a maneira de ver o mundo e você estava lá por curiosidade. Eu não reparei, mas me lembro desse dia pelos seus olhos. Eu não sei o que você viu em mim mas eu sei que você me amava.

Antes do palanque e antes da universidade e antes até mesmo do meu marido, eu era uma menina. E cada dia que passava eu entendia mais e mais o que significava ser uma menina. Até que um dia eu não me reconheci mais no espelho, eu era outra. Ou quem sabe outro. Eu sei que um dia eu vi que uma saída possível era mergulhar profundamente nas minhas próprias chagas. E aí foi começo da bomba.

Antes de conhecer o meu marido eu estive em locais obscuros nos quais ninguém nunca me imaginaria. E conheci pessoas noturnas, cada uma com uma receita de revolução e de felicidade. E eu sabia que tudo era errado, mas foi impossível não embarcar numa nova onda.

Por muito tempo eu fui teoria sem prática. Até ver você naquele palanque e perceber que podia ser mais, que podia acontecer mais. Enquanto nos apaixonávamos e nossa vida seguia, eu comecei a colocar a teoria em prática. Me diverti.
Chaga por chaga, veio o dia da vingança. O dia de me encontrar, o dia de entender quem eu era, quem eu tinha me tornado. O fim.

Nos reunimos, mas eu não tive você naquele dia. Nem na noite anterior, você simplesmente desapareceu por trinta horas. Eu e o resto do grupo nos encontramos no local combinado. Cada qual tomou seu posto. Vieram as bombas.

Tínhamos planos. Tínhamos reivindicações. Tínhamos angustias. Perdemos o senso, ou éramos bons porque tínhamos perdido o senso. Foi a primeira vez que eu tive medo.
Horas depois e eu não vi você. Dias, semanas, meses e já faz um ano. Eu ainda procuro você, mas não tive coragem de olhar entre os mortos. O que eu queria mesmo era beijar você enquanto o resto do mundo ardia numa explosão.

Concreto, solidão, fotos suas e seu retrato em todas as ruínas. Alguém deve se perguntar sobre a figura de batom. Você agora é eterna e talvez algum dia você se encontre numa dessas ruínas. Talvez um dia eu acorde ao seu lado. Talvez um dia eu olhe um dos desenhos nos espelhos e veja a sua imagem. Você esta atrás de mim, e é um sonho. O que você diria, o que você diria do caos, o que você diria da fumaça. Eu amo você. Adeus de novo.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Dragões e traças consumistas

Demorariam mil anos ainda. Preso no centro da terra ele podia ouvi-los todas as noites. Tão belos! Gritavam baixinho suas ambições enquanto sussurravam as alturas suas virtudes. Tão bobos! Mas ainda demorariam mil anos.

O centro da terra é frio e escuro. O magma de que falam é pura ilusão. Quem dera a ele, derreter mas estar aquecido. É frio demais estar sozinho.

Passaram-se dias. Passaram-se anos. Cada vez mais perto, mas mais perto ainda é muito longe. Sofria. Estava aflito, desesperado. Não conseguia se mexer.

Então sentiu a primeira pontada. Eles haviam chegao ao centro da terra, aquela broca de titânio tinha chegado até ele. Não doeu mas incomodou um pouquinho. O mundo foi se abrindo de novo e ele viu a luz. Logo o buraco foi ficando cada vez maior e cada vez maior. Bom dia.

Entao era assim que eles eram? Absolutamente diferentes dele. Será que o conheceriam?

Então o buraco já era grande o bastante. Os músculos do corpo se alongaram longamente: liberdade.

Demorou mil anos mas eles chegaram. E enquanto os homens preparavam suas metralhadoras e canhões atômicos, o dragão fugia do centro da terra prum planeta melhor, perfeitamente agradecido.

Platônico Sentir

Amor. Por você. Inspiração. Expiração. Respira. O ar nos seus pulmões, envolvendo os alvéolos lentamente. Eu amo você. Respire para sempre.

O dia nasce quando menos se espera. Sol dourado, inflamado, quase roxo. Alonga o seu corpo, braços, pernas, barriga, rosto. Deita no meu colo, ta na hora de dormir. Cabelos.

Fora do tempo, nós brincamos de fumaça. Aéreos, etéreos, num pousar leve sobre planeta algum. Contornar a sua pele com a luz, enquanto penetra a película invisível da água.

Seus olhos brilhando na presença do infinito: eu amo você para sempre. Vamos, a noite já é, temos de acordar.

Sobre as luzes artificiais de um pequeno inferno/paraíso dançamos. Flutuando pelo assoalho; dezenas, dúzias, centenas. Dentro do turbilhão, nós encaramos o fogo e nos queimamos com classe. Somos bons, somos os melhores.

Já distantes do olho do furacão, recolhemos as cinzas e voltamos para casa. Olhos, nariz, boca postados diante das estrelas e da lua. Você brilha, e eu bebo da sua beleza e você é o meu vicio mais sincero e mais bonito.

De volta pro meu colo, minhas mãos nos seus cabelos de novo. Dorme, que o sol não faz bem para a sua delicadeza, dorme em paz, que pesadelos não coexistem com a claridade do dia. Eu fico com você, eu amo olhar você. Respire para sempre. Respire comigo para sempre.

sábado, 26 de julho de 2008

Títulos ou a díficil arte de começar do jeito certo

Títulos as vezes são aleatórios. Na escola isso acontece aos montes, a professora solicita uma redação, é obrigatório colocar título e os alunos elaboram proezas criativas como "a bola", "minhas férias", "o palhaço triste". Isso continua ao longo da vida, é só ver parte significativa dos títulos de tese de mestrado e doutorado que são mais resumos dos textos do que propriamente títulos. É que as vezes, um título é uma mera formalidade.

Mas há momentos em que um título é fundamental. Textos que viram outra coisa em função dos títulos. Títulos que são conceito, significado. E são esses títulos que geralmente eu almejo (ainda que nem sempre conquiste).

Pois bem, um blog precisa de título. É uma formalidade. Daí surge todo tipo de coisa, todo tipo de combinação aleatória de palavras. Revira-se o arquivo do cérebro em busca de algo que soe minimamente bom. Obviamente, aquelas soluções pseudo criativas também vem a tona: "sem nome", "ainda não sei", "espaço vazio", "meu blog". Mas nada agrada agrada... pode até soar bem, mas não encanta.

Depois da tempestade mental, surge qualquer coisa razoável. Dói colocar qualquer coisa, porque afinal, a expectativa é que o blog dure mais que duas postagens... Mas é preciso colocar alguma coisa, e eis que chego ao brilhante título "Serpentes e Punhais na metrópole vazia". Porque? Oras, porque eu gosto de serpentes, punhais e metrópoles vazia!!!

Era para ser só Serpentes e Punhais... Mas me soou tão inadequadamente gótico, que coloquei o metrópole vazia para amenizar. E esse segundo me incomodou por soar pós-moderno e blasé demais. O que dá se você misturar um gótico com um blasé pós moderno? Um vampiro que mora no subsolo de um prédio chique e marca encontro com suas vítimas pela internet...

Seja como for, o que me incomoda é que o título não combina com os textos que serão publicados... Simplesmente porque parte do que eu queria publicar já está escrito (e daí a urgência em ser publicado). E aí fica aquele movimento irritante de tentar encaixar o conteúdo no título... É quase tão útil quanto tentar passar um abacaxi por uma peneira...

Mas o pior são os novos textos... Porque um título querendo ou não é um significado. E os novos textos, escritos para esse espaço, trarão impressos esses significados. E se eu não concordo completamente com os significados que ele traz será que vou gostar dos próximos textos? A nova busca agora é por serpentes e punhais, e pelas muitas imagens em que isso possa se desdobrar. Não é um cenário ruim, mas não sei se é desejado.

Enfim, esse é post inaugural. Agora vamos a lista de desejos:
1) que dure mais que dois posts;
2) que dure mais que dois meses;
3) que eu atualize pelo menos de 2 em 2 semanas.

Aqui não é um blog pessoal, ainda que os textos tenham muito a revelar sobre mim. Seja como for, é um lugar para postar contos, e quem sabe, poesias. Que assim seja!