sábado, 1 de novembro de 2008

fluindo sã

Com o conta-gotas foi despejando levemente a água-com-açúcar dentro da panela. Queria se controlar, queria evitar mais uma longa novela açucarada e cheia de romance. O amor era meio assim, meio melado demais, e a razão dava vazão ao controle. É que tinha passado um anjo na janela dela.

Agora andava meio sem perspectivas. Uma visão de um futuro acinzentado e cansativo e de um passado que não foi o que devia ter sido. Melancolia, colorida levemente pelo ar embriagado do pequeno anjo. Assim de tempos em tempos se permitia divagar e dormir nos braços do tal anjo. Sabia que não era verdade, aliáis, tinha tanta certeza de que não era verdade que acreditava que aquela mentira era suficientemente segura; ela podia acreditar.

O anjo não tinha cheiro; isso o fazia mais distante e menos humano. Ele era meio que tipo pura luz e era tão exageradamente belo que de tempos em tempos ficava ligeiramente banal. Independente disso ela o amava, o que não a tornava especial apenas menos açucarada.

Mascavo. Anjos são feitos de açúcar mascavo.

Era exagero dizer que o anjo a mantinha viva. Muito exagero. Mas havia gosto nela ao pensar nisso, um gosto que ela evitava que era o gosto de gostar de depender de alguém. Oh, ele não sabia. Ou ela achava que ele não sabia. E no fundo ela desejava um futuro menos acinzentado e mais mascavo, mas os anjos não pertencem ao futuro. Nem ao presente, anjos não pertencem a lugar algum.

Silêncio, tem alguma coisa muito bonita acontecendo.

Ela recolheu o conta gotas e a panela, sim tinha, bem ali, algo muito, muito bonito que deve ser guardado e lembrado para sempre. Nunca se sabe quando acontecerá de novo. O anjo some numa espécie de eclipse, acompanhado de outras energias místicas ou não.

O sol depois do eclipse traz a tona uma realidade tão forte que ela se desfaz: despe-se da carapuça humana e mergulha na sua essência de dragão. Imediatamente mergulha num abismo passageiro e adormece os milênios necessários para o próximo nascer em si.

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