sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Quadros

Lhe disseram uma vez para nunca começar um desenho com preto: castra a criatividade. Ele acreditou mas não levou o conselho a sério. Fez fundos traços negros no papel, um bicho, não sabia. Teria um só olho, como ele, cego demais para ver que não era amado. Focado demais para perceber a dor da solidão. Um só olho e fechado, com cílios muito grossos. Cortina de fumaça como ele nunca percebeu isso? Todas as palavras, todos os gestos. Tudo só para disfarçar as verdadeiras intenções. Ela iria embora do jeito mas terrível que alguém poderia ir, ficando e não sendo.

Então ele fez coloridas asa dobre o bicho. Era um anjo no fim das contas. Um anjo confuso de plumas confusas.

Um anjo que não voava mas sorria. Sempre sorria.

Então cercou o anjo de luz. Anjos estão sempre cercados de luz, mas ele o fez porque era assim que ela estava agora. Cercada de luz, num altar em chamas.


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